“Simulei estar passando mal para escapar de ser morto por bandidos”. O desabafo é de um Oficial de Justiça de 54 anos, dos quais 24 dedicados à profissão, que pede para não ser identificado por medo de retaliações. A voz embargada é a marca registrada do relato sobre os momentos de terror vividos nas mãos de criminosos que resultaram em um mês de internação hospitalar com direito a CTI.
Oficiais de justiça têm sempre uma história para contar, mas as dos servidores do Rio de Janeiro estão recheadas de casos de violência. Eles enfrentam sequestros, ficam sob a mira de armas e sofrem até abuso sexual. Peças-chave para o andamento das ações judiciais e servidores com fé pública, eles são os executores das ordens do juiz, mas quando ‘fracassam’ na missão, pais não pagam pensão alimentícia, criminosos podem ser absolvidos, acusados escapam de responder pelos crimes e muitos processos param.
Quando a área é de risco, a orientação da Corregedoria-Geral da Justiça exige que o Oficial procure uma unidade da Polícia Militar para pedir apoio ou atestar que a região é conflagrada, o que gera o mandado negativo por periculosidade. Em nota, a PM informou que operações são planejadas para atender os Oficiais de Justiça apenas em casos especiais, como um mandado de reintegração de posse de prédio ou terreno. Mas que no dia a dia, o apoio é feito pelos batalhões, que avaliam riscos e o emprego de policiais para acompanhar o funcionário da Justiça.
O trabalho do Oficial é fundamental para o andamento do processo. Ele é o responsável por informar pessoalmente às partes, como autor e réu, sobre os movimentos da ação e também por prisões, como em caso de falta de pagamento de pensão alimentícia, busca e apreensão de menores.
Se um acusado de um crime não é encontrado para receber a citação— procedimento jurídico que dá conhecimento sobre o caso ao réu e o integra na relação processual—, o processo nem começa. Se um juiz, com base na Lei Maria da Penha, determina que o marido fique longe da mulher, a decisão não terá efeito se ele não for encontrado. O fato de o Oficial não localizar uma testemunha de um homicídio para intimá-la a prestar depoimento em juízo pode levar à absolvição do criminoso.
“Temos problemas todos os dias. Imagine uma ação de alimentos. O juiz, em decisão liminar, determina o pagamento, mas o pai não é localizado pelo Oficial. A mãe não vai receber. Infelizmente, não há o que fazer”, contou a coordenadora Cível da Defensoria Pública do Estado, Cintia Guedes.
Para a coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais, do Ministério Público, Somaine Patrícia, não é possível exigir que eles entrem em localidades conflagradas. Mas a situação gera prejuízos para as partes por falta de intimação dos réus, vítimas e testemunhas e audiências são remarcadas. “Enquanto se espera melhora na segurança pública, buscam-se, cada vez mais, meios alternativos, como e-mail e celulares”, explicou Patrícia.
Um Oficial que quase morreu nas mãos de bandidos diz que a saída é dominar os traumas. “Continuo trabalhando do jeito que dá”, afirmou.
“Fiquei com arma na cara”
Bandidos, abusos sexuais, a ira dos réus e até cachorros ferozes fazem parte da lista de obstáculos enfrentados pelos Oficiais de Justiça. E mais: eles ainda são confundidos com policiais. “Fui entregar uma intimação na Barreira do Vasco para uma mãe comparecer à Defensoria Pública. Acabei rendida por dois homens. Eles ficaram rodando comigo duas horas no carro e um deles foi passando as mãos nas minhas pernas”, contou uma Oficial. Ela acabou deixada em São Cristovão. “Fiquei com arma na cara. Mas eles decidiram me soltar e falaram que se denunciasse à polícia iam me matar”.
Situações inusitadas, como cantadas, correm por fora, mas também estão no repertório dos servidores. “Às vezes, você chega e a pessoa fala, nossa como a senhora é bonita. A gente finge que não ouve e segue em frente”, declarou outra Oficial. Mas a violência é o que mais assusta. “Já fui cumprir um mandado onde o réu conseguiu tomar a arma do policial. Foi a maior confusão. Ele apertou várias vezes o gatilho, mas a arma estava travada”, lembrou um servidor que atua no interior do estado. Eles fazem questão de ressaltar que a violência não está só na capital, mas até em cidades pequenas como Miracema, Noroeste Fluminense.
Fonte: Jornal O Dia