Um dos maiores gargalos do Judiciário, a fase de execução das sentenças, deve ser enfrentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a partir de constatações levantadas pelo Relatório Justiça em Números. A informação é da presidente da Comissão Permanente de Gestão Estratégica, Estatística e Orçamento e conselheira do CNJ, ministra Maria Cristina Peduzzi.
De acordo com a ministra, uma das alternativas em análise é repassar a cobrança de dívidas judiciais a agências de natureza administrativa. Grupo de estudos coordenado pelo conselheiro Rubens Curado, juiz do trabalho, foi instituído pelo presidente do CNJ, ministro Joaquim Barbosa, para estudar o assunto. Em entrevista publicada na página eletrônica do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a conselheira aborda diversos aspectos do relatório do CNJ, com foco especial no desempenho da Justiça do Trabalho.
O Relatório Justiça em Números traz novidades?
O Justiça em Números é uma radiografia, um retrato da Justiça brasileira, da litigiosidade, da taxa de congestionamento. Relata com precisão o número de processos que ingressam no Poder Judiciário e o número de processos baixados. A novidade deste ano é que foi aperfeiçoado o Índice de Produtividade Comparada da Justiça, denominado IPC-Jus.
Em que consiste esse índice?
É um índice que mede a produtividade nacional e a produtividade de cada segmento do Poder Judiciário. Na sua composição, temos insumos e resultados. Os insumos são os recursos humanos – quadro de magistrados e de servidores –, os recursos financeiros que compõem a despesa de cada segmento e a litigiosidade, representada pelo número de processos em tramitação. O resultado é o número de processos baixados. Até o relatório do ano anterior, considerávamos os processos julgados, mas nem sempre o processo julgado representa um processo concluído, já que pode haver interposição de algum recurso. Então se aperfeiçoou e se adequou o critério de processo baixado como sinônimo de processo concluído, porque o processo baixado é excluído do número total. Esta média é aferida tendo como paradigma o tribunal que melhor produziu, considerados os recursos disponíveis, o quadro de pessoal disponível e o número de processos em tramitação.
Com base nesses critérios, quais foram os tribunais mais bem avaliados?
No ranking dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), apenas dois conseguiram atingir o índice de 100% do IPC-Jus: os TRTs da 2ª e o da 8ª Região (São Paulo e Pará). Nesses tribunais, temos uma taxa individual de congestionamento muito abaixo da média nacional, porque eles conseguiram produzir o máximo com um custo menor e com menor contingente de servidores. A taxa de congestionamento da Justiça do Trabalho é a menor do Poder Judiciário, considerando-se os tribunais medidos pelo IPC-Jus, que são os Tribunais de Justiça dos estados e os TRTs. Os Tribunais Regionais Federais não são medidos pelo índice porque são apenas cinco, e é necessário um número maior para avaliá-los proporcionalmente aos demais.
O relatório mostra avanços na Justiça do Trabalho?
Sim, nós temos a menor taxa de congestionamento entre os tribunais medidos pelo IPC-Jus, e isso realmente é um conquista.
A alta litigiosidade é um problema?
Há um excesso de litigiosidade. São 92,2 milhões de processos em tramitação em toda a Justiça brasileira, ou seja, a cada dois habitantes, um litiga. O relatório também constatou que, em todos os segmentos, 84% ou 83% deste montante está no primeiro grau.
Há um gargalo no Judiciário?
O grande problema está na execução. Nas Justiças Estadual e Federal, as execuções fiscais de título extrajudicial alcançam taxa de congestionamento de 89%. Em relação aos processos na fase de conhecimento, essa taxa é de 60%. E 35% do total destes 92 milhões de processos em tramitação são de execução fiscal. É uma inadimplência muito grande, que tem diversas causas. Não é um problema só do sistema de justiça, é um problema social, que tem de ser enfrentado no que diz respeito ao Poder Judiciário. O conselheiro Rubens Curado, que é da Justiça do Trabalho, coordena grupo de estudos, constituído por quatro conselheiros do CNJ, para encontrar alternativa que reduza o número das execuções fiscais. Uma das vertentes de pesquisa é justamente a desjudicialização das execuções fiscais. Na Justiça do Trabalho, já usamos mecanismos que têm reduzido esse gargalo, como o BacenJud.
Como funcionaria a desjudicialização?
Seriam agências, órgãos de natureza administrativa que efetuariam a cobrança da dívida ativa. Quer dizer, constituído o débito, em vez de atribuir-se competência ao Poder Judiciário para cobrar, esses órgãos é que promoveriam essas cobranças. Nos Estados Unidos da América, na Inglaterra, na França, não se cogita cobrar esses títulos pela via do Poder Judiciário. Cobra-se administrativamente.
A que a senhora atribui a diferença, em termos de eficiência, entre os menores e os maiores tribunais?
Nos tribunais menores, a produtividade foi menor considerando-se o número de servidores. Pode representar um problema de administração da Justiça, de gestão. Técnicas de gestão eficientes são importantes.
A prática da conciliação ajuda no funcionamento da Justiça?
A conciliação na Justiça do Trabalho alcança quase metade das ações ajuizadas. A prática tem sido estimulada pelo CNJ. É um mecanismo que pode reduzir o congestionamento de processos.
A existência de dois processos, conhecimento e execução, não seria um fator que de certa forma contribui para haver esse represamento dos processos?
O represamento é pela falta de pagamento. A execução é só para se estabelecer o valor devido, atualizá-lo ou apurá-lo. Muitas vezes, não é simples, não é um mero cálculo de atualização. Mas o grande problema é o pagamento. Antes do BacenJud, era mais difícil ainda, porque tínhamos que penhorar um bem, realizar um leilão, com previsão de recursos para impugnar os valores e até o próprio leilão. Com o BacenJud, hoje, os juízes podem penhorar recursos em conta-corrente. Eu penso que, com o Processo Judicial Eletrônico, vamos reduzir essa taxa de congestionamento. Ganha-se o tempo que os processos em papel ficam nas prateleiras. O processo eletrônico elimina esse tempo.
Como o relatório pode ajudar no aperfeiçoamento da Justiça?
Estamos elaborando estudos que resultarão em uma resolução que vai regulamentar o encaminhamento de anteprojetos de lei que criam cargos ou unidades judiciárias no âmbito do Poder Judiciário. É um trabalho fantástico, para encaminhar projetos que efetivamente atendam aquelas necessidades que foram constatadas. Com base na matemática, na estatística, podemos chegar a um aperfeiçoamento que, sem dúvida, se impõe. O presidente do CNJ também está criando uma comissão para pensar o Poder Judiciário com base nesses dados. Nós aprovaremos no próximo Encontro Nacional do Judiciário, nos dias 18 e 19 de novembro, as novas metas para justamente resolver problemas. E um dos insumos é a informação que o relatório proporciona, além dos subsídios que cada tribunal, no curso do ano e nos encontros preparatórios, apresentou.
Fonte: TST