Eliene Neves Valadão, recém-eleita diretora jurídica da Assojaf-RJ, já testemunhou diferentes formas de assédio no ambiente de trabalho. Primeiro como técnica judiciária, entre 1998 e 2004, convivendo com o tipo mais tradicional, o moral. Depois, como Oficial de Justiça, cargo que já exerce há 20 anos, quando passou a lidar com outro tipo de assédio, que não costuma mostrar sua face humana, é estrutural e sistemático: o assédio organizacional.
Na época como representante dos servidores no TRF-2 pelo Sisejufe (Sindicato da Justiça Federal no RJ), Eliene começou a receber relatos de colegas vítimas deste assédio. As histórias chegavam através dos PADs, Processos Administrativo-Disciplinares que podem culminar com advertência, suspensão (que pode ser convertida em multa, com perda de pagamento) e até demissão.
Eliene passou a acompanhar os processos no momento que entravam no sistema. “Eu fui percebendo que não eram casos isolados, mas uma forma de atuação da administração em relação ao nosso trabalho, com uma vertente punitiva, não para organizar”, conta.
A diretora da Assojaf-RJ explica como identificou esse viés “punitivo”. “A gente é lotado em Centrais de Mandados. As Varas de Justiça enviam os mandados para essa central, que distribui pros Oficiais pelos bairros. Apesar de prestarmos esse serviço para as Varas, quem faz a distribuição é o setor administrativo. Esses servidores têm como função organizar a divisão do trabalho e a vida administrativa do Oficial de Justiça, e estou falando de férias, licença, aposentadoria, tudo para que possamos dar conta da nossa rotina. Mas não víamos esse trabalho de organização acontecer, apenas cobranças e eventuais instaurações de PADs. Foi aí que comecei a notar que não se tratava de assédio individual, mas uma situação de assédio organizacional, quando a organização do serviço leva ao prejuízo de um conjunto de servidores, no caso, os Oficiais de Justiça”.
Esse assédio, segundo Eliene, se materializa através dos atos administrativos dos servidores, que funcionam como elemento de pressão sobre os Oficiais. “A instauração de um PAD depende da assinatura de um juiz, mas quem leva essa provocação são servidores que não conhecem bem nosso trabalho, porque não são Oficiais de Justiça. A estrutura administrativa não tem um Oficial para filtrar o que é realmente responsabilidade dele e o que tem origem na falta de organização”, explica.
A dificuldade de entender a natureza do trabalho do Oficial de Justiça, na avaliação de Eliene, tem relação com o perfil dos servidores que assumem as chefias das Centrais de Mandados. Entre estes servidores, há aqueles que antes atuavam em setores não relacionados ao controle de mandados, sem formação em Direito, sem capacitação prévia para atuar numa Central de Mandados e, portanto, para lidar com a realidade dos Oficiais de Justiça.
A Oficiala recorda uma situação em que um servidor chegou a criar uma norma, no caso concreto, especificamente para punir o Oficial de Justiça. “No Direito Administrativo, isso não existe, você só pode aplicar o que está no ato normativo. Não se pode fazer o que quer. Mas na prática, começaram a criar normas prejudiciais aos Ojafs”. Eliene observa que estes servidores têm seu salário aumentado por meio de funções gratificadas e cargos comissionados. “Por conta disso, eles obedecem sem muito questionamento. O objetivo principal é comprovar que estão cumprindo bem as ordens, fazendo o controle. Só que como eles não têm a formação adequada, acabam errando muito”, diz.
Ainda segundo Eliene, os servidores que trabalham internamente na Seção Judiciária do Rio de Janeiro (SJRJ) possuem uma rotina com horários rígidos. Por isso, a aparente falta de horário fixo na rotina dos Oficiais de Justiça, por conta de sua atuação acontecer de forma externa (no cumprimento das ordens judiciais), acaba fornecendo a falsa ideia de que Oficiais trabalham menos, ainda que saiam da Central, muitas vezes, com cerca de 200 mandados para cumprir.
Esse tipo de preconceito é um dos ingredientes do caldo de cultura que alimenta essa visão superficial do trabalho dos Oficiais. “Por isso tudo, esse debate é mais do que necessário, precisamos falar sobre assédio organizacional contra os Oficiais de Justiça”, resume.
Por outro lado, vale lembrar, durante a pandemia de Covid, por conta de muitos processos terem ficado parados devido à suspensão de prazo no cumprimento de mandados, a atividade dos Oficiais foi definida como “serviço essencial”, o que os obrigou a ir para as ruas mesmo no auge da contaminação, com uma média diária de 4 mil mortes por dia e sem vacina.
Segundo Eliene, entre os processos instaurados recentemente contra Oficiais de Justiça, há situações tão variadas quanto absurdas. Ela colaborou na defesa de muitos colegas. A maior parte dos PADs foi arquivada por falta de justa causa. Mas algumas penalidades altas já foram imputadas, como suspensão por 45 e 90 dias, mesmo com laudo atestando “depressão crônica” de colegas.
Eleita no ano passado, Eliene integra desde maio a Comissão contra o Assédio no Trabalho da SJRJ (representando os servidores), o que permite que ela acompanhe possíveis casos de assédio, agora na defesa dos servidores. Ela é a única Oficial de Justiça no estado do Rio de Janeiro a integrar esta comissão. O mandato é de dois anos.
A diretora da Assojaf-RJ sabe que ainda há muito trabalho a fazer para mudar essa cultura de assédio. E lembra que um dos meios mais eficazes de enfrentamento é a denúncia. Quem tiver alguma situação de assédio dentro da SJRJ para relatar, pode enviar para o e-mail
Fonte: Assojaf/RJ