A história de luta contra a discriminação e o racismo estrutural e institucionalizado narrada por Simone André Diniz marcaram a abertura do Seminário Nacional Simone André Diniz: Justiça, Segurança Pública e Antirracismo promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceira com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), que acontece até esta sexta-feira (18) em Brasília. O evento contou com a presença de autoridades do Poder Judiciário, representantes da sociedade civil e ativistas do movimento negro. O seminário atende à recomendação feita pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ao Estado brasileiro, após analisar o Caso 12.001: Simone André Diniz vs. Brasil e identificar violações de direitos humanos da mulher negra.
Simone, aos 45 anos de idade, compartilhou histórias de preconceito e discriminação racial vivenciadas por ela e por sua família ao longo dos anos e que são rotina para milhares de pessoas negras em todo país. O episódio que levou à recomendação do organizamos internacional, segundo Simone, foi apenas uma das centenas de situações de racismo que ela ainda enfrenta no cotidiano. “A minha luta não é só minha: é de todos os homens e mulheres negras”, enfatizou.
Em 1997, quando respondeu a um anúncio de vaga de emprego para trabalhadora doméstica, Simone foi informada de que a oferta valia apenas para mulheres brancas de 21 anos. Na época, Simone imediatamente procurou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para denunciar a situação. “Sem instrução nenhuma, aos 19 anos, busquei ajuda jurídica, que, por meio de uma ligação, confirmou a violação dos direitos humanos naquele anúncio”, lembrou.
Simone contou ainda sobre situações vividas por ela na infância que já prenunciavam a luta que ela assumiria em sua trajetória. “Perdi minha mãe, empregada doméstica, aos 13 anos e sempre tive muitos embates com ela, porque me recusava a aceitar as humilhações que ela passava constantemente. Sempre achei errado, mas na época minha mãe não tinha a consciência da discriminação”, lamentou.
Na avaliação da homenageada, o seminário simboliza momento muito importante para todos os que fizeram do antirracismo uma batalha pessoal e a realidade deve ser sempre relatada da forma mais honesta possível. “Esse momento é histórico, guardem no coração de vocês, homens e mulheres negras. Vidas negras importam. Necessitamos da ajuda de vocês do Judiciário para reverter esse quadro”, disse.
A quem testemunhar um episódio de discriminação e de racismo, Simone fez o apelo de não se omitir. “Filmem, falem, denunciem, não façam vistas grossas. Se engajem na luta daqueles que precisam ter suas vozes ouvidas. Vidas negras importam”, afirmou.
Combate ao racismo institucional
A conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Jane Granzotto afirmou que o episódio Simone André Diniz é um caso contundente de racismo institucional. Ela enumerou algumas iniciativas que contribuíram para a construção de uma nova realidade na Justiça, entre as quais a Resolução CNJ n. 203/2015, que dispõe sobre a reserva de 20% a pessoas negras para ingresso na magistratura e nos quadros funcionais do Judiciário.
O presidente do TST, ministro Lélio Corrêa, reforçou que o seminário é resultado de um esforço coletivo e que obteve o maior número de adesões de toda a história do tribunal. Para o ministro, o tema, cujo debate é essencial para a sociedade brasileira, não pode ficar oculto, ignorado, mas, sim, deve ser enfrentado.
Já o juiz auxiliar da Presidência do CNJ e integrante da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (UMF/CNJ) Edinaldo Santos Junior alertou para a impunidade dos crimes raciais e para a importância do simbolismo da história de Simone. “A luta da Simone é um passo significativo e transformador no caminho da mudança que necessitamos”, afirmou.
A juíza auxiliar da Presidência do CNJ e integrante do Observatório de Direitos Humanos do Conselho, Karen Luise Vilanova Batista de Souza, no encerramento da cerimônia, declarou que o seminário é uma oportunidade para visibilizar a luta antirracista e reafirmar que “mulheres negras existem, importam e têm direitos”. Ela também esclareceu que atuação do CNJ no seminário busca parâmetros para que o Sistema de Justiça se envolva na transformação da realidade brasileira.
A juíza informou que, nesse momento, o Estado brasileiro está sendo fortemente arguido pela Organização das Nações Unidas acerca das medidas que estão sendo adotadas para a eliminação da discriminação racial no país. Dirigindo-se à homenageada, a juíza pediu desculpas em nome do Estado brasileiro por tudo que ela passou, incluindo o arquivamento da denúncia por parte do Judiciário paulista, onde o processo foi aberto. “Não queria estar aqui. Nem queria que você tivesse sofrido o que sofreu naqueles dias. Não queria você tivesse as portas fechadas por causa da cor da sua pele”, concluiu.
Fonte/foto: CNJ